Dezembro, 2004 |
37 |
Cánovas, A. D.1; Silva, O. F. da1; Borghi, H. A.2
Introdução
Numa das cartas que escreveu ao rei de Portugal informando-o das riquezas naturais da terra recém-descoberta, o escrivão Pero Vaz de Caminha anunciou: "nesta terra tudo em se plantando dá". O escrivão não imaginava que a Terra de Vera Cruz fosse exuberante apenas em parte do imenso território descoberto, tampouco que 500 anos depois o entusiasmo de seu vaticínio se concretizasse com o auxílio da tecnologia. Se o cenário da época tivesse sido a região do cerrado, o ceticismo de Caminha teria sido o mesmo que predominou durante séculos com relação à descrença na capacidade de produção desse ecossistema.
A transposição do cultivo de soja e de trigo do clima temperado para regiões tropicais possibilitou transformar o cerrado em grande produtor dessa leguminosa e ampliar o potencial de terras aptas para o plantio de trigo e de outros grãos de importância econômica para o país. Os avanços crescentes da pesquisa, a adoção de tecnologia pelo produtor rural e a melhoria das condições de infra-estrutura de produção, comercialização e beneficiamento propiciaram condições para a produção de 40% do total de grãos produzidos no país, consolidando dessa forma a indiscutível vocação agrícola do cerrado na produção de alimentos.
Neste trabalho, propõe-se analisar, em termos comparativos, o benefício/custo do trigo irrigado produzido na região do cerrado e no Estado do Rio Grande do Sul.
Materiais e Métodos
A fonte de dados para análise dos custos de produção do trigo irrigado produzido no cerrado foi uma lavoura de 78 hectares da fazenda Vargem Bicas, no Município de Vianópolis, GO, na altitude de 900 m. Em 10 de maio de 2001 foi realizado o plantio, sendo 48 ha da cultivar Embrapa 42 e 30 ha da cultivar Embrapa 22. A irrigação foi via pivô central, com plantio direto na palha de soja. Usou-se a densidade de semeadura de 160 kg/ha (70 sementes/m); realizou-se controle de plantas daninhas com o herbicida Pendimethalin, em pré-emergência, e 2,4D-Amina e Iloxan, em pós-emergência, bem como tratamento de sementes com os produtos Vitavax/Thiran e Gaucho (Reunião, 2001).
A adubação de base foi feita com 400 kg/ha da fórmula 4-25-15, e a adubação de cobertura, com 100 kg/ha de nitrogênio, via irrigação, com aplicações iguais, 15, 25, 35 e 45 dias após a emergência de plantas.
Para o controle de lagartas, foram feitas duas aplicações, via irrigação, de inseticida à base do ingrediente ativo cloropirifós. A irrigação, embora não tenha sido conduzida conforme recomenda a pesquisa (uso de tensiômetros), supriu as necessidades da planta em suas diversas etapas e fases de desenvolvimento.
Todos os custos variáveis e fixos do empreendimento foram devidamente registrados pelo responsável técnico da lavoura, em planilha elaborada pela Embrapa Arroz e Feijão para essa finalidade (Tabela 1).
Resultados e Discussão
A produtividade e a qualidade industrial do trigo dependem 75% de fatores genéticos da cultivar e 25% das condições de ambiente e práticas de manejo da cultura (Anuário, 2001). O conjunto desses fatores dá ao trigo a aptidão industrial exigida pela indústria para os diversos usos, além de promover o máximo potencial de produtividade.
A lavoura foi conduzida com base em orientações do responsável técnico, sustentadas pelas recomendações da pesquisa para a cultura de trigo na Região Centro-oeste. A lavoura foi instalada em solo de intensa rotação de culturas de soja e de milho, em plantio direto em altitude de 900 m, baixas temperaturas médias no período outono-inverno (maio/setembro), semeadura na época recomendada pela pesquisa e cultivares de boa produtividade e aptidão industrial (Embrapa 42 e Embrapa 22) recomendadas para o Estado de Goiás e para o Distrito Federal (Reunião, 2001), as quais produziram, em média, 5.200 kg/ha.
Os indicadores de rentabilidade da produção de trigo irrigado foram estabelecidos com base na produção obtida na lavoura ao preço de R$ 20,00 a saca de 60 kg, recebido pelo produtor de trigo em Goiás, em outubro de 2001 (Tabela 2).
A participação relativa dos componentes da produção de 5,2 t/ha no custo total de trigo irrigado, via pivô central, na fazenda Vargem Bicas, a preços de fatores de abril de 2001, é apresentada na Tabela 3.
Comparando a produtividade e os custos de produção por hectare do trigo produzido no Estado de Goiás com os fatores de produção no Estado do Rio Grande do Sul (Ambrosi, 2000), estabeleceram-se as vantagens de produção de trigo nesses estados. Para efeitos comparativos, foram considerados, em ambos os estados, os valores absolutos de produção de trigo, abstraindo os possíveis efeitos nas rotações e sistemas de produção adotados. No caso do Rio Grande do Sul, o custo total de produção por hectare foi estimado em R$ 559,00. Considerando a produtividade esperada de 2.400 kg/ha, foram necessários 2.795 kg/ha para cobrir os custos totais de produção ao preço mínimo de R$ 0,20 por quilograma. Cabe ressaltar que no Rio Grande do Sul são exploradas, em duas estações, quatro culturas: trigo e aveia no inverno e soja e milho no verão.
Em sistemas de produção, deve-se visualizar o todo econômico e não o ganho financeiro das partes, pois um cultivo numa determinada condição pode não ser rentável, mas pode estar contribuindo para a maior rentabilidade do outro, compensando assim o benefício/custo do sistema.
Conclusões
Seguindo-se as recomendações técnicas preconizadas pela pesquisa, com ênfase em altitude do local de plantio, época de semeadura, manejo da irrigação e uso de semente de boa qualidade, podem-se atingir, com facilidade, no Estado de Goiás, produções acima de 5.000 kg/ha.
Aos preços correntes do produto e dos fatores de produção, atualmente praticados no mercado, nos Estados de Goiás e do Rio Grande do Sul, a lucratividade do trigo em Goiás foi superior à do Rio Grande do Sul.
A cultura de trigo no Estado de Goiás e no Centro-oeste configura-se como uma nova alternativa para a produção de grãos em sistemas de rotação de culturas e de plantio direto, possibilitando a diminuição da incidência de fungos de solo, através da rotação de culturas e da supressão de plantas daninhas no plantio direto.
Literatura Consultada
AMBROSI, I. Custo de produção de trigo, de soja, de milho e de aveia sob sistema plantio direto para o Rio Grande do Sul no ano 2000. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2000. 6p.html. (Embrapa Trigo. Comunicado Técnico Online, 51). Disponível: http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/p_co51.htm
ANUÁRIO do trigo 2001. Diário da manhã, Passo Fundo, out. 2001. 39p.
REUNIÃO DA COMISSÃO CENTRO-BRASILEIRA DE PESQUISA DE TRIGO, 11., 2000, Rio Verde. Informações técnicas para a cultura do trigo na região do Brasil Central-safra 2001 e 2002. Rio Verde: FESURV, 2001. 69 p. (RV. Documentos, 1).
Tabela 1. Custo de produção de 5,2 toneladas por hectare de trigo irrigado, na fazenda Vargem Bicas, no município de Vianópolis, GO - safra 2001/2001.
Tabela 2. Indicadores de rentabilidade da produção de trigo em Goiás e no Rio Grande do Sul, em 2001.
Tabela 3. Participação relativa dos componentes da produção de trigo nos estados de Goiás e do Rio Grande do Sul no custo de produção, em 2001.
Copyright © 2004, Embrapa Trigo