Embrapa Trigo

Dezembro, 2004
Passo Fundo, RS

37

Análise Faunística do Trigo (Triticum aestivum L.) Irrigado no Cerrado

Cánovas, A. D.1; Ferreira, E.1

 

Introdução

O trigo é o segundo produto alimentar do mundo, depois de arroz, e o primeiro de origem vegetal em diversidade industrial para o consumo humano. Pela sua ampla aceitação e demanda em todas as camadas sociais, o trigo é um produto estratégico na alimentação da população brasileira.

Os primeiros trabalhos de pesquisa com trigo no cerrado remontam ao ano de 1937, época em que se constatou sua aptidão para esse ecossistema, com maior possibilidade no outono-inverno (abril a setembro) e o uso de irrigação. Posteriormente, outros trabalhos de pesquisa consolidaram a vocação agrícola do cerrado para a produção de trigo. Com a criação da Embrapa e outras instituições de pesquisa na região, os trabalhos foram intensificados, sem sofrer solução de continuidade, até hoje. Como resultado desses trabalhos, foram criadas cultivares de trigo e formuladas recomendações técnicas que têm suprido a demanda por tecnologia dos produtores da região. As cultivares são continuamente aperfeiçoadas, tanto nas características agronômicas quanto na sua aptidão industrial, a fim de que atendam às exigências da indústria de processamento do produto.

Entre os fatores que podem interferir na cultura, a pesquisa de trigo no cerrado tem dado maior ênfase aos elementos edafoclimáticos do que aos fatores bióticos (Rosa, 1988; Gassen, 1988). Diante da perspectiva de crescimento da cultura de trigo na região do cerrado, faz-se necessário o conhecimento desses fatores, para o controle oportuno, no caso de eventual presença que venha a comprometer a produção. Nesse sentido, o presente trabalho propõe-se: 1- Avaliar a infestação de artrópodes na fase final do ciclo de desenvolvimento de plantas de trigo; 2- Identificar os artrópodres mais comuns ao trigo; 3- Estudar a influência das populações de artrópodes no rendimento de grãos; 4- Verificar se o trigo irrigado e o arroz de terras altas possuem espécies comuns.

 

Materiais e Métodos

O experimento foi conduzido na Embrapa Arroz e Feijão, no município de Santo Antônio de Goiás. Os dados foram obtidos do Ensaio Centro-Brasileiro Irrigado (VCU2), que faz parte da rede de avaliação de germoplasma do programa de melhoramento e desenvolvimento de trigo para a região tritícola do Brasil-central, liderado pela Embrapa Trigo.

Os tratamentos constaram de 13 linhagens/cultivares (genótipos), comuns nos dois anos da pesquisa (1995/1996), com características bioclimáticas adaptadas ao ambiente da região do cerrado, tendo sido conduzidos em blocos ao acaso em parcelas de cinco linhas de cinco metros de comprimento, no espaçamento de 0,20 m, com cinco repetições.

Os genótipos comuns nos dois anos da pesquisa foram CPAC 8717, CPAC 8859, CPAC 8809, CPAC 8947, CPAC 89128, CPAC 89223, NL 459, PF 87950, PF 88437 e as cultivares Anahuac, BR 26, BR 33 e Embrapa 22, nas quais a coleta de artrópodes foi realizada por meio de uma passada de rede de varredura em toda a extensão da fileira central da parcela, no período de florescimento de trigo. Os artrópodes coletados em cada parcela foram colocados em vidros com álcool a 70% e, posteriormente, no laboratório, foram separados e quantificados por grupos ou espécies.

 

Resultados e Discussão

O número médio de artrópodes coletados por uma passada da rede de varredura na linha central de cada parcela foi de 6,9 em 1995 e de 56,6 em 1996. Além dos artrópodes constantes nas tabelas 1, 2 e 3, insetos da ordem Odonata e do gênero Chaetocnema (Coleoptera: Crysomellidae) estiveram representados no levantamento realizado em 1995.

Os insetos mastigadores (Tabela 1) foram coletados em pequenos números, principalmente em 1995. Entre esses, Pseudaletia sequax foi o único representante daqueles considerados de importância econômica para a cultura de trigo (Gallo et al., 1988; Rosa, 1988).

Os fitófagos sugadores (Tabela 2) foram coletados em maior número em 1996, destacando-se, em ordem decrescente de abundância, o tripes Frankliniella rodeos, o percevejo Dolichormiris linearis e um pulgão, provavelmente Sitobium avenae. Esta espécie é conhecida como pulgão da espiga do trigo (Gallo et al., 1988; Rosa, 1988; Gassen, 1988) e pode acarretar prejuízos quantitativos e qualitativos, como enrugamento de grãos e perda de poder germinativo (Gallo et al., 1988). O percevejo Thyanta perditor foi coletado em pequeno número, mas é mencionado como praga da cultura de trigo (Gallo et al., 1988) e pode afetar a quantidade e a qualidade de grãos, sendo estimado o prejuízo total na produção de 2.602 kg/ha para uma infestação geral média de cinco percevejos por espiga (Ferreira & Silveira, 1991).

Quanto aos predadores, verifica-se, pela Tabela 3, que foram coletados em pequenos números, apesar de serem bastante comuns em trigais. Adultos e ninfas de Tropiconabis capsiformes são predadores de lagartas, de ovos, de pulgões e de outros insetos pequenos; as larvas de Chrysoperla externa predam lagartas, ácaros e ovos de insetos, e adultos de Eriopis connexa são predadoras de pulgões (Gassen, 1986; Gallo et al., 1988; Gassen, 1988). Com pouquíssimas exceções, os artrópodes coletados em trigo também são coletados em arroz.

A influência das cultivares de trigo na coleta de alguns insetos foi estudada mediante análises de variância, cujos resultados são apresentados na Tabela 4. Essa tabela permite verificar que, apesar dos elevados coeficientes de variação, existiram influências significativas dos genótipos sobre crisopídeos, afídeos e vaquinhas coletadas. Verifica-se, ainda pela Tabela 4, que não existiram diferenças na produção de grãos de genótipos, mas, sim, para a porcentagem de grãos atrofiados.

Estudo de correlação linear simples com os dados do levantamento de 1996 mostrou que o número de aranhas coletadas foi positivamente correlacionado com o de cicadelídeos, enquanto o número de coccinelídeos foi negativamente correlacionado com o de Dolichormiris linearis.

A análise de regressão linear pelo processo Stepwise entre o número médio de fitófagos, coletados em 1996, em cada genótipo (variável independente) e o peso médio de 200 grãos (variável dependente) gerou o seguinte modelo com variáveis selecionadas ao nível de 0,05 de probabilidade: PG=10,50-1,67 (NE)-0,27 (NC)-0,11(ND); onde: PG= Peso de 200 grãos em (g); NE= Número de Empoasca sp; NC= Número de Conocephalus sp; ND= Número de Dolichormiris linearis. Essas variáveis no modelo explicam 75,3% das variações observadas no peso de 200 grãos. Substituindo na equação as abreviaturas pelos respectivos números médios de insetos coletados no experimento, obtêm-se: PG=10,50-1,67 (0,54) -0,27 (2,10)-0,11 (9,20), PG=10,50-0,90-0,58-1,01 ou PG=10,50-2,49 = 8,01. Esses insetos reduziram 2,49 g no peso médio de 200 grãos ou 31,4%, sendo 11,4% decorrentes de Empoasca sp.; 7,3% de Conocephalus; e 12,7% do mirídeo Dolichomiris linearis. Este inseto, que muito lembra o Nabis sp., foi observado sugando a arista da espiga, provocando a morte desta.

 

Conclusões

A incidência de insetos fitófagos e predadores, na cultura de trigo, é muito influenciada pelas condições reinantes no ano de cultivo.

As populações de alguns insetos, como Empoasca sp., Conocephalus sp. e Dolichomiris linearis, durante a fase de espigamento de trigo, apresentam correlação negativa em relação ao peso de grãos, o que pode reduzir o rendimento da cultura.

Com a expectativa de o cultivo de trigo vir a se expandir na região do cerrado, estudos devem ser realizados para estabelecer níveis de controle das principais espécies prejudiciais à cultura, levando em consideração a população dos respectivos inimigos naturais.

 

Referências Bibliográficas

FERREIRA, E.; SILVEIRA, P.M. da. Dano de Thyanta perditor (Hemiptera. Pentatomidae) em trigo (Triticum aestivum L.). Anais da Sociedade Entomológica do Brasil, v.20, n.1, P.165-171, 1991.

GALLO, D.; NAKANO, O.; SILVEIRA NETO, S.; CARVALHO, R.P.L.; BATISTA, G.C. de; BERTI FILHO, E.; PARRA, J.R.P.; ZUCCHI, R.A.; ALVES, S.B.; VENDRAMIM, J.D. Manual de Entomologia Agrícola. São Paulo: Agronômica Ceres, 1988. 649p.

GASSEN, D.N. Controle biológico de pulgões do trigo. Passo Fundo: EMBRAPA-CNPT, 1988. 13p. (EMBRAPA-CNPT. Documentos, 3).

GASSEN, D.N. Parasitos, patógenos e predadores de insetos associados à cultura do trigo. Passo Fundo: EMBRAPA-CNPT, 1986. 86p. (EMBRAPA-CNPT. Circular Técnica, 1).

ROSA, O.S. Controle integrado de doenças e de pragas do trigo no Rio Grande do Sul: desenvolvimento, resultados e perspectiva. Passo Fundo: EMBRAPA-CNPT, 1988. 24p. (EMBRAPA-CNPT. Documentos, 9).

 

Tabela 1. Fitófagos coletados com uma passada de rede de varredura, na altura das espigas das plantas, em toda a extensão da fileira central das parcelas do Ensaio Centro-Brasileiro de Trigo Irrigado conduzido em 1995 e 1996 em Santo Antônio de Goiás, GO.

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Tabela 2. Fitófagos sugadores coletados com uma passada de rede de varredura, na altura das espigas das plantas, em toda a extensão da fileira central das parcelas do Ensaio Centro Brasileiro de Trigo Irrigado conduzido em 1995 e 1996 em Santo Antônio de Goiás, GO.

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Tabela 3. Predadores coletados com uma passada de rede de varredura, na altura das espigas das plantas, em toda a extensão das fileiras centrais das parcela do Ensaio Centro-Brasileiro de Trigo Irrigado conduzido em 1995 e 1996 em Santo Antônio de Goiás, GO.

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Tabela 4. Médias1 de variáveis obtidas no Ensaio Centro-Brasileiro de Trigo Irrigado submetidas a análises de variância. Santo Antônio de Goiás,GO, 1996.

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