Agosto, 2006 |
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Características da resistência de acordo com o mecanismo de ação herbicida
Inibidores da enzima ALS/AHAS
A introdução no mercado dos herbicidas inibidores da enzima acetolactato sintase (ALS) ocorreu em 1982, com o lançamento da molécula chlorsulfuron para uso em cereais (Saari et al., 1994). Atualmente existem no mercado os grupos de herbicidas imidazolinonas, sulfoniluréias e sulfoanilidas (Tabela 1), que agem inibindo a ALS e são empregados para controle seletivo de plantas daninhas em culturas como soja, trigo, cevada e arroz.
O mecanismo de ação destes grupos de herbicidas é a inibição não-competitiva da enzima acetolactato sintase ou acetohydroxi sintase na rota de síntese dos aminoácidos ramificados valina, leucina e isoleucina. Os sintomas das plantas sob efeito dos herbicidas inibidores da ALS incluem paralisação do crescimento, amarelecimento dos meristemas e redução do sistema radical; as raízes secundárias apresentam-se curtas e uniformes.
Os herbicidas inibidores de ALS são muito usados, em razão da baixa toxicidade para animais, alta seletividade para culturas e alta eficiência em baixas doses (Hess, 1994; Ahrens, 1994). Os herbicidas classificados como inibidores de ALS tornaram-se uma ferramenta de grande importância para a agricultura, devido à alta eficiência e ao reduzido impacto ambiental (Saari et al., 1994).
Estas características contribuíram para o surgimento rápido da resistência. Aproximadamente cinco anos após o início do uso dos herbicidas inibidores de ALS surgiu a primeira espécie resistente (Saari et al., 1994). Nos últimos dez anos, este grupo de herbicida vem apresentando o maior número de registros de plantas resistentes. Dentre as espécies descritas estão Kochia scoparia, Amaranthus strumarium, Sorghum bicolor (Heap, 1997) e Bidens pilosa (Ponchio, 1997).
A resistência a imidazolinonas e sulfoniluréias é conferida por um gene dominante nuclear (Mazur & Falco, 1989; Saari et al., 1994). A causa da resistência aos herbicidas inibidores de ALS está em mutações que ocorrem no DNA e no metabolismo da molécula herbicida.
Inibidores da enzima EPSPs
Os herbicidas inibidores da enzima 5-enolpiruvilshikimate-3-fosfato sintase (EPSPs) agem inibindo esta enzima na rota de síntese dos aminoácidos aromáticos essenciais fenilalanina, tirosina e triptofano, que são precursores de outros produtos, como lignina, alcalóides, flavonóides e ácidos benzóicos.
Os sintomas das plantas sob efeito destes produtos incluem amarelecimento dos meristemas, necrose e morte das mesmas em dias ou semanas. Estes herbicidas vinham sendo usados de forma não-seletiva; no entanto, com o advento das plantas transgênicas, passaram a ser opção para controle seletivo das plantas daninhas nas culturas transgênicas. Pertencem a este grupo as moléculas glyphosate e sulfosate (Tabela 2).
Por apresentarem mais de um mecanismo de ação, limitado metabolismo pelas plantas e baixo residual, esses herbicidas são considerados produtos com baixa probabilidade em selecionar espécies resistentes.
Apesar do baixo risco de seleção atribuído ao glyphosate por vários cientistas em 1996 foram identificados, na Austrália, biótipos de Lolium rigidum resistentes a esse herbicida em lavouras que usaram o produto para controlar plantas daninhas em pré-plantio pelo menos 10 vezes nos últimos 15 anos. Os biótipos resistiram, no mínimo, a doses seis vezes maiores do que as aplicadas nas plantas da população sensível (Heap, 1997). Trabalhos realizados por Pratley et al. (1997) demonstraram que os biótipos resistentes de Lolium rigidum foram 10 vezes mais tolerantes ao glyphosate do que os biótipos sensíveis. Os biótipos também apresentaram-se resistentes ao diclofop e sensíveis aos demais herbicidas graminicidas usados para controle.
Biótipos de Eleusine indica e de Lolium rigidum resistentes ao glyphosate foram indentificados na Malásia em 1997 e nos Estados Unidos em 1998, respectivamente (Weed Science, 1999a). Biótipos de Festuca rubra resistentes a glyphosate foram selecionados artificialmente (Mortimer, 1998). No Chile em 2002 (Perez & Kogan, 2002) e no Brasil em 2003 (Roman et al. 2004) foram identificados biótipos de azevém (Lolium multiflorum) resistentes ao glyphosate.
As espécies Commelina spp. e Ipomoea spp. apresentam alta tolerância aos inibidores da EPSPs, contudo isso não significa que sejam resistentes. Essa tolerância está relacionada com a absorção e translocação do glyphosate nestas espécies.
Inibidores da enzima ACCase
Estes herbicidas foram lançados na década de 70 para controle de gramíneas e atuam inibindo a enzima acetyl-CoA carboxylase (ACCase), de forma reversível e não-competitiva, na rota de síntese de lipídios.
Os ariloxifenoxipropionatos e os ciclohexanodionas são os grupos de herbicidas comercializados atualmente que agem sobre a ACCase (Tabela 3). As moléculas pertencentes a estes grupos controlam, com eficiência, gramíneas em culturas mono e dicotiledôneas. Os sintomas das plantas sob efeito destes produtos são paralisação do crescimento e amarelecimento dos meristemas e das folhas jovens. As plantas sensíveis morrem em uma a três semanas.
Entre as plantas resistentes, considera-se que aquelas que resistem aos herbicidas inibidores de ACCase tenham maior importância econômica, devido à área infestada e ao número restrito de mecanismos herbicidas alternativos para controle dos biótipos resistentes (Heap, 1997).
Há 17 espécies monocotiledôneas resistentes aos inibidores da ACCase, em 16 países, sendo Lolium rigidum e Avena fatua as espécies de maior importância. Estima-se que haja, na Austrália, Lolium rigidum resistente em mais de 3.000 locais e, no Canadá, Avena fatua em mais de 500 locais (Heap, 1997). Biótipos de Lolium rigidum, resistentes aos herbicidas inibidores de ACCase, apresentam maior nível de resistência aos herbicidas ariloxifenoxi-propionato do que aos ciclohexanodiona. O diferente nível de resistência pode ser resultado das diferentes mutações ocorridas no gene que codifica a enzima ACCase e do tipo de alelo desse gene (Powles e Preston, 1998).
A análise da ACCase em biótipos resistentes indicou a ocorrência de diferentes mutações, em que cada uma delas confere diferentes tipos e níveis de resistência aos herbicidas ariloxifenoxipropionatos e ciclohexanodionas. As mutações podem ser agrupadas da seguinte forma: a) alta resistência ao sethoxydim e baixa a outros herbicidas; b) alta resistência ao fluazifop e baixa a outros; c) relativamente alta resistência aos ariloxifenoxipropionatos e muito baixa ou nenhuma resistência aos ciclohexanodionas; e d) uma ou mais mutações conferem níveis intermediários de resistência (Devine, 1997).
Os herbicidas pertencentes aos grupos dinitroanilinas e acetanilidas controlam com facilidade os biótipos resistentes a estes herbicidas (Devine, 1997).
Inibidores do fotossistema II
Os herbicidas pertencentes aos grupos triazinas e uréias substituídas (Tabela 4) são inibidores do fotossistema II (FSII).
Os herbicidas inibidores da fotossíntese (derivados das triazinas, das uréias substituídas, dos fenóis etc.) causam essa inibição, ligando-se à proteína D1, no sítio em que se acopla a plastoquinona "Qb". Estes herbicidas competem com a plastoquinona "Qb" parcialmente reduzida (QbH) pelo sítio na proteína D1, ocasionando a saída da plastoquinona e interrompendo o fluxo de elétrons entre os fotossistemas. A associação das moléculas herbicidas com a proteína se dá com aminoácidos diferentes do sítio, o que impede que plantas resistentes a determinado herbicida ou a um grupo de herbicidas sejam resistentes aos demais herbicidas.
Herbicidas dos grupos uréias e triazinas são usados para controle seletivo em pré e pós-emergência das plantas daninhas mono e dicotiledôneas em culturas como milho, soja, batata, algodão e seringueira. Os sintomas das plantas sob efeito destes herbicidas aparecem inicialmente nas folhas mais velhas, incluindo cloroses nas internervuras e nas bordas das folhas, que progridem para necrose.
A primeira espécie a apresentar resistência às uréias foi Alopecurus myosuroides na Inglaterra, em 1982, e na Alemanha, em 1983. A maioria das plantas daninhas resistentes às triazinas foi localizada em lavouras de milho na Europa e América do Norte. Dentre as plantas resistentes relatadas estão Amaranthus, Polygonum e Chenopodium. Estima-se que a área total infestatada com plantas daninhas resistentes aos herbicidas triazinas seja superior a quatro milhões de hectares (Weed Science, 1999a).
Alterações na proteína D1 são as principais causas da ocorrência de plantas resistentes aos herbicidas que agem no fotossistema II, como as triazinas e uréias substituídas. A mutação na proteína D1 provoca alto nível de resistência aos herbicidas do grupo das triazinas, mas não a todos os herbicidas do grupo das uréias. A mutação responsável pela resistência às triazinas ocorreu no genoma do cloroplasto; dessa forma, a resistência não é transmitida hereditariamente via pólen, mas sim via herança citoplasmática.
Os biótipos de plantas daninhas resistentes às triazinas são controlados com eficiência, em muitos países, mediante aplicação de herbicidas alternativos (Heap, 1997).
Inibidores do fotossistema I
O grupo químico dos bipiridílios, com as moléculas paraquat e diquat, compõe esta classe de herbicidas (Tabela 5).
O sítio de ação do paraquat e do diquat (captura dos elétrons) está próximo ao da ferredoxina. Estes herbicidas capturam os elétrons provenientes da fotossíntese e da respiração, formando os radicais tóxicos. Os radicais livres do paraquat e do diquat não são os agentes responsáveis pelos sintomas de fitotoxicidade observados. Estes radicais são instáveis e rapidamente sofrem a auto-oxidação, durante a qual são produzidos radicais de superóxidos, que sofrem o processo de dismutação, para formarem o peróxido de hidrogênio. Tal composto e os superóxidos reagem, produzindo radicais de hidroxil e oxigênio livre (singleto). Estas substâncias promovem degradação das membranas (peroxidação de lipídios), ocasionando vazamento do suco celular e morte do tecido.
São herbicidas não-seletivos, aplicados em pós-emergência, com reduzida translocação (de contato) e baixa persistência, usados para controle total da vegetação.
Após duas décadas de uso, foram identificadas, no Egito, plantas de Conyza bonariensis resistentes a paraquat (Preston, 1994). Depois disso, em 1980, foram identificados, no Japão, biótipos de Erigeron philadelphicus, Erigeron sumatrensis e Youngia japonica resistentes a estes herbicidas (Weed Science, 1999a).
Os mecanismos que conferem resistência aos bipiridílios são redução na translocação e compartimentalização da molécula (Preston, 1994). Plantas resistentes a paraquat apresentam, nos cloroplastos, grande aumento na atividade da enzima superóxido dismutase (SOD), a qual catalisa a conversão do superóxido em peróxido de hidrogênio (Hart & Di Tomaso, 1994).
Devido à pequena área infestada e ao número de herbicidas alternativos disponíveis, os biótipos resistentes a este grupo de herbicidas não são considerados de grande importância (Heap, 1997).
Reguladores de crescimento
Os herbicidas deste grupo comercializados no Brasil estão listados na Tabela 6. As auxinas sintéticas 2,4-D e MCPA revolucionaram o controle de espécies daninhas de folha larga em cereais na década de 40, tendo sido usadas largamente desde então.
O mecanismo de ação envolve os sistemas enzimáticos carboximetil celulase e RNA polimerase, que influenciam a plasticidade da membrana celular e o metabolismo de ácidos nucléicos. O aumento anormal de DNA, RNA e proteínas resulta em divisão descontrolada das células, o que se evidencia pelo crescimento anormal das plantas sensíveis. São herbicidas usados para controlar dicotiledôneas em culturas gramíneas como trigo, cevada, aveia e milho. Os sintomas das plantas sob efeito destes herbicidas são epinastia, curvatura de caule e de ramos e, finalmente, paralisação do crescimento e clorose dos meristemas, seguida de necrose. As folhas de dicotiledôneas apresentam encarquilhamento e adquirem coloração verde-escura. A morte das plantas sensíveis ocorre lentamente, às vezes após cinco semanas.
Considerando o tempo e o uso extensivo destes herbicidas, poucas espécies evoluíram para resistência até hoje. Os três primeiros casos de resistência identificados ocorreram nesta classe de herbicida. Em 1957, foram identificados biótipos de Commelina diffusa, nos Estados Unidos, e de Daucus carota, no Canadá, resistentes ao 2,4-D. O terceiro caso foi em 1964, quando biótipos resistentes de Convolvulus arvensis foram identificados nos Estados Unidos (Weed Science, 1998).
Os biótipos resistentes assumem importância, em razão do amplo uso destes herbicidas para controlar grande número de espécies e do restrito número de herbicidas com potencial para substituí-los (Heap, 1997).
Interruptores da mitose
Os herbicidas do grupo químico dinitroanilinas, como trifluralin, oryzalin e pendimethalin (Tabela 7), são usados em pré-emergência para controlar plantas daninhas gramíneas em culturas oleaginosas. Estes herbicidas agem, ligando-se à tubulina, principal proteína componente dos microtúbulos, e impedindo a polimerização para formar os microtúbulos, os quais orientam os cromossomos durante a anáfase na mitose. Assim, durante a divisão celular não ocorre divisão dos cromossomos e resultado é a formação de células com número anormal de cromossomos. As plantas sensíveis germinam, mas muitas vezes não emergem, devido à inibição do crescimento do coleóptilo e da radícula. Em plantas adultas e naquelas que conseguem emergir, observam-se pouca formação de raízes e engrossamento do colo da planta.
Apesar do tempo de uso e do longo período residual, somente cinco monocotiledôneas e uma dicotiledônea apresentam resistência a este grupo de herbicidas (Heap, 1997). Biótipos de Lolium rigidum apresentam resistência cruzada às dinitroanilinas, em razão do metabolismo destas moléculas (Moss, 1990; Powles e Howat, 1990). Nos Estados Unidos, biótipos de Eleusine indica, Sorghum halepense e Amaranthus palmeri evoluíram resistência à trifluralin após 15 a 20 anos de uso em cereais e leguminosas. A resistência de Eleusine indica L. à trifluralin é conferida por alterações na tubulina.
Os herbicidas inibidores de ACCase constituem o primeiro grupo de herbicidas alternativos para controlar biótipos resistentes aos herbicidas do grupo dinitroanilina. Contudo, o uso inadequado dos herbicidas inibidores da ACCase como mecanismo alternativo para as dinitroanilinas causou a seleção de biótipos de Setaria viridis com resistência múltipla a estes mecanismos (Heap, 1997).
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