Dezembro, 2007
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Passo Fundo, RS

 

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Sistema de produção com rotação de culturas e pastagens anuais de inverno

Cláudia De Mori
Renato Serena Fontaneli
Henrique Pereira dos Santos

Identificação da tecnologia

Descrição da tecnologia

Sistema de produção misto integrando lavoura e pecuária, com rotação de culturas (trigo/soja; pastagem/soja; pastagem/milho) onde no inverno 1/3 da área é cultivada com trigo e 2/3 com pastagem de aveia preta singular ou consorciada com azevém, ou com ervilhaca ou com azevém e trevo vesiculoso; e no verão 2/3 da área é cultivada com soja e o outro 1/3 com milho. A Tabela 8 apresenta o sistema de rotação.

O arranjo das espécies no tempo e no espaço é orientado para o escalonamento da semeadura e da colheita e atende aos preceitos dos zoneamentos agroclimáticos para cada região.

Dentre os principais parceiros que contribuíram no desenvolvimento do sistema podem-se citar: Universidade de Passo Fundo, Cotrijuí e Fepagro.

Ano de lançamento

1999

Ano de início de adoção

1999

Abrangência

Região Sul (RS, SC e Centro-sul do PR)

Beneficiários

Complexo agroindustrial de grãos (trigo, soja e milho), complexo agroindustrial de carne bovina e complexo agroindustrial do leite.

Identificação dos impactos na cadeia produtiva

Os cereais de inverno constituem importantes componentes na estabilidade de fluxo de caixa de propriedades agrícolas e também constituem base da alimentação humana e/ou animal. A produção dos cereais de inverno concentra-se na região sul, que responde por aproximadamente 90% do volume produzido. Em torno de 20 % da área cultivada com grãos no verão, na região sul, tem sido ocupada para produção de grãos no inverno e aproximadamente 38 % se agregarmos o cultivo de aveia preta para cobertura (Fonte: calculado pelos autores a partir dos dados do IBGE, 2006, no período de 2000-2004). O trigo, um importante cereal em termos de alimentação humana, representa a maior parte da área cultivada. De outro lado, a atividade animal no Brasil constitui uma importante fonte de renda do setor rural e o país tem se consolidado como um importante produtor mundial de carne, tendo uma taxa anual de crescimento do rebanho de 0,76 % no período de 1997-2006 e uma taxa anual de crescimento de exportação de carnes de 9,0% no período de 1990-2003, segundo Jank et al. (2004/2005). De acordo com as estimativas do Instituto FNP (2006), a região sul possuía 13,0% do rebanho nacional de bovinos em 2005, 21,23 milhões de cabeças. Neste ano, aproximadamente 25,5 % do rebanho da região sul era de bovinos de leite e 74,5 % de bovinos de corte, sendo 35,7% do rebanho de corte de origem de cruzamento industrial e 64,26% de zebuínos, europeus e mestiços de corte. Segundo dados do Censo Agropecuário de 1995/96, estima-se que a produção de leite no Brasil envolva 1,2 milhão de propriedades. Um grande problema da pecuária é a restrição alimentar que ocorre no período inverno. O aumento da produtividade de grãos (trigo, milho e soja) e, conseqüentemente, do volume de produção é importante, quer seja, para alcance de um patamar confortável de suprimento de demanda interna, aumento das exportações dos mesmos e para otimização dos recursos envolvidos na produção.

O uso da presente tecnologia, integrando lavoura-pecuária, permite a geração de renda adicional pelo incremento de produção e estabilidade de fluxo de renda da propriedade rural, maximiza e distribui o uso de mão-de-obra durante o ano. A tecnologia contribui para maior produtividade dos rebanhos e disponibilização de produtos de alto valor protéico em época de entressafra com redução de custos de produção e de perdas. Além disso, o sistema delineado colabora na manutenção e melhoria das características físicas, químicas e biológicas do solo, com efeitos positivos na produtividade das culturas subseqüentes, além de evitar ou minimiza a forte pressão de inóculo de determinados patógenos.

Avaliação dos impactos econômicos

Tipo de impacto: Agregação de valor

Análise dos impactos econômicos

Como o sistema de produção envolve diferentes culturas e forrageiras anuais para alimentação animal, o aumento de produtividade do sistema e otimização de uso da terra resulta em geração de renda adicional por hectare, sendo os aspectos ligados a renda (segurança, estabilidade, distribuição e montante) pontos fortes da tecnologia. Neste sentido, a tecnologia implica em agregação de valor quando comparada com o emprego de um único cultivo de verão, no caso soja, situação a qual a tecnologia em análise foi comparada.

No ano de 2006, considerando um adicional de renda de R$ 123,09/ha em função da adoção do sistema misto, ao invés de monocultivo, e de uma área de 190.000 hectares adotantes da tecnologia na região sul, estima-se um excedente econômico da ordem de R$ 23.387.100,00, dos quais 50% (R$11.693.550,00) pode ser atribuído como contribuição da Embrapa. Cabe destacar que em 2006, as condições climáticas resultaram em menores rendimentos das lavouras e os preços retraídos de alguns produtos resultaram em menor agregação de renda na comparação entre os sistemas. De maneira geral, a tecnologia tem permitido adicional de renda entre 40 a 130% em relação ao sistema de comparação considerando as flutuações de preços dos grãos de trigo e milho e da carne bovina.

Observa-se que no período 2000-2006, a contribuição média atribuída a Embrapa em termos de adicional econômico nominal gerado com a adoção da referida tecnologia foi de R$67,3 milhões/ano.

Outro importante elemento econômico da tecnologia, refere-se a maior oferta de carne no período de entressafra o que contribui na estabilização de preços ao consumidor. Considerando-se um adicional de 100 Kg/ha de ganho de peso com a adoção do sistema, podemos estimar um adicional de 19 mil toneladas de carne no período de entressafra. (Tabela 9 e 10)

Avaliação dos impactos sociais

Na avaliação de impactos sociais da referida tecnologia foram realizadas sete entrevistas: três com produtores familiares, duas com produtores patronais e duas com pesquisadores envolvidos com a tecnologia. Procedeu-se a agregação das avaliações individuais por perfil de entrevistado (produtores familiares, produtores patronais e ligados a pesquisa) para compor a análise. A tecnologia apresenta contribuições positivas em aspectos sociais. Aspectos ligados a renda e a capacitação são caracterizados como de maior alteração/contribuição. Os índices de impacto obtidos foram de 0,83; 1,16 e 1,95 (Fig. 7).

Segundo os entrevistados, em relação ao aspecto emprego, a adoção da tecnologia implica na qualificação de pessoal (construção de cercas, instalação e manutenção de sistema de eletrificação e complexidade de manejo do sistema). O incremento na capacitação técnica local de curta duração e induzida pela adoção da tecnologia segundo os usuários, apresentando coeficientes positivos nas entrevistas (coeficientes de impacto de capacitação de 5,25; 1,75 e 1,75). Há um aumento de oferta de emprego braçal local, quer seja familiar, temporário ou permanente (coeficientes de impacto de oportunidade local qualificado de 0,27; 0,45 e 0,3 e coeficientes de impacto de oferta de emprego e condição de trabalho de 0,4; 1,0 e 0,6).

A tecnologia permite um melhor aproveitamento de mão-de-obra, com melhor distribuição das atividades no ano (intensificação de atividades no período de inverno), contribuindo na fixação de trabalhadores no meio rural e na geração de emprego em período integral. Se considerar-se como referência que 200 cabeças de gado requerem a ocupação de uma pessoa, pode-se estimar que a presente tecnologia envolve, em média, geração de 720 novos empregos diretos na atividade agrícola em 2006. De maneira geral, a tecnologia é operada pelo sexo masculino por uma questão de tradição da região.

Os aspectos ligados a renda, segurança, estabilidade, distribuição e montante, são aspectos onde, segundo os usuários, há impactos de moderados a grandes. A distribuição é percebida pelo usuário como aspecto de impacto bastante positivo. O número de culturas cultivadas (soja, milho e trigo) e a produção animal (carne e/ou leite) resultam em diversificação da fonte de renda agropecuária no estabelecimento e esta multiatividade implica, segundo os entrevistados, em investimento em benfeitorias tais como cercas e aguadas, e os impactos na capacidade produtiva do solo, são aspectos que corroboram com a conservação dos recursos naturais. Observa-se que o componente “geração de renda” obteve valores altos de coeficiente para todos os grupos de entrevistados (coeficientes de segurança alimentar de 5,0; 5,0 e 3,75).

A tecnologia não tem impactos expressivos com relação à saúde. Para três dos entrevistados, o coeficiente de impacto de segurança e saúde ocupacional teve impacto negativo. Aspectos ligados a segurança alimentar são percebidos com maior influência da tecnologia dentro deste aspecto (coeficientes de segurança alimentar de 0,9; 0,6 e 0,6). A tecnologia influencia positivamente no poder de compra, uma vez que disponibiliza maior oferta no período de entressafra e auxilia na estabilização dos preços. De certo modo, a tecnologia possibilita melhor aproveitamento das culturas e redução de desperdícios, uma vez que os resíduos vegetais são transformados em proteína e não há perda de peso típica da escassez no período de inverno.

Relacionado ao aspecto de gestão, a elevação da capacidade dirigida à atividade e do número de horas de permanência no estabelecimento são influenciadas pela tecnologia segundo os usuários (coeficientes de dedicação e perfil do responsável de 6,5; 3,5 e 0,0). Da mesma forma, há um uso mais intenso de assistência técnica (coeficiente de relacionamento institucional de 3,75; 1,25 e 0,0).

Avaliação dos impactos ambientais

Estima-se que 7 milhões hectares sejam destinados a cultivos de forrageiras para alimentação bovina (pastagens melhoradas e cultivadas, culturas para ensilagem e fenação, etc.) na região sul. Em 2006, aproximadamente, em 2,7% desta área (190.000ha) foi empregada a presente tecnologia de rotação e integração. Durante o período de monitoramento, este percentual variou de 2,7% a 4,3%.

Para os entrevistados, a tecnologia tem aspectos ambientais positivos, com valor dos índices de impacto ambiental variando de 0,86 a 2,79 (Fig. 8).

Na avaliação do aspecto de eficiência tecnológica, observou-se divergência na avaliação dos aspectos relacionados ao uso de agroquímicos. Não há unanimidade em aspectos ligados a freqüência, variedade e toxidade de pesticidas nas culturas. Na percepção da maioria, a tecnologia adotada requer uso de quantidades adicionais de adubos hidrossolúveis no cultivo de cereais e houve uma redução da calagem usada (coeficientes de impacto de uso de agroquímicos de -0,25; 0,0 e 0,0). Em termos de uso de energia, atribuiu-se um aumento do uso de diesel e, no caso de energia, produtores familiares acreditam haver aumento (implantação da atividade leiteira) e produtores patronais, atribuem redução de consumo (coeficientes de impacto de 7,5; 1,5 e -3,0). No uso de recursos não houve atribuição de alteração.

A contribuição da tecnologia, relativa à conservação ambiental, está na manutenção da capacidade produtiva do solo (redução de erosão, de perda de matéria orgânica e de perda de nutrientes) (coeficiente de impacto de capacidade produtiva do solo de 8,75; 1,25 e 3,75). A atividade animal pode contribuir com a emissão de gases de efeito estufa (metano) (coeficientes de atmosfera de 0,5; -0,5 e 0,0). Na percepção de produtores familiares, a tecnologia contribui com a redução de uso de insumos, redução de emissão de fumaça e de ruídos e redução de turbidez e sedimentação nos recursos hídricos.

Para produtores familiares, em termos de recuperação ambiental, a tecnologia contribui para recuperação de solos degradados. Não foram atribuídas alterações/ contribuições relevantes nestes componentes em função da tecnologia para produtores patronais.

De uma maneira geral, na avaliação dos usuários, a adoção da presente tecnologia colabora positivamente na redução da calagem usada, manutenção da capacidade produtiva do solo (redução de erosão, de perda de matéria orgânica e de perda de nutrientes) e na qualidade da água (redução da turbidez e sedimentação) pela cobertura do solo durante o período de inverno. Observou-se divergência na avaliação dos aspectos relacionados ao uso de agroquímicos, uso de energia (uso de diesel) e recuperação de solos degradados.

Análise dos impactos sobre o conhecimento, capacitação e político-institucional

A seguir tecem-se alguns comentários sobre impactos em relação ao conhecimento, capacitação e aspectos político-institucionais sendo apresentadas, na Tabela 11, as avaliações de alterações de componentes relacionados a estes aspectos.

Impactos sobre o Conhecimento

As pesquisas com rotação de culturas e sistemas de integração lavoura-pecuária permitem estabelecer quais são as interações entre espécies, efeitos do sistema sobre doenças, plantas daninhas, variações na capacidade de armazenamento de água do solo, amplitude térmica entre outras relações, contribuindo na geração de conhecimento sobre sustentabilidade de sistemas agrícola-pecuários e promovendo a interação entre diversas áreas de conhecimento. A tecnologia é de domínio público.

Impactos sobre a Capacitação e Aprendizagem

Como relatado anteriormente, a adoção da tecnologia implica na qualificação de pessoal (construção de cercas, instalação e manutenção de sistema de eletrificação e complexidade de manejo do sistema) o que implica diretamente no treinamento de público externo, que por sua vez influi na capacidade de socializar o conhecimento com a realização de mais de 250 dias de campo com a apresentação da tecnologia e no estabelecimento de parcerias para instalação de unidades de demonstração da tecnologia.

Impactos Político-institucionais

A multiplicidade das áreas envolvidas no desenvolvimento e na implantação da tecnologia (fitotecnia, solos, fitopatologia, etc.) resulta no estabelecimento de uma equipe multidisciplinar. O lançamento da tecnologia tem impacto na melhoria da imagem institucional.

Análise agregada

A presente tecnologia possui impactos em termos de renda pelo incremento de produção, segurança, estabilidade de fluxo de renda da propriedade rural, maximização e distribuição do uso de mão-de-obra durante o ano. Juntamente com o aspecto de capacitação, são os fatores onde se observa maior alteração/contribuição. Em 2006 observou-se um ganho adicional de R$ 183,09/ha com a adoção da tecnologia. Há uma contribuição no aumento de oferta de carne e leite na entressafra. Em termos ambientais, a principal contribuição da tecnologia está na redução da calagem usada, manutenção da capacidade produtiva do solo (redução de erosão, de perda de matéria orgânica e de perda de nutrientes) e na qualidade da água (redução da turbidez e sedimentação) pela cobertura do solo durante o período de inverno.

A tecnologia “sistema de rotação de culturas com pastagens anuais de inverno” apresenta aumento no rendimento de grãos e de produtos animais, redução de severidade de doenças de raiz e manutenção e melhoria da capacidade produtiva do solo. A dimensão social da tecnologia é apontada pelos entrevistados como bastante positiva, pela indução à capacitação e uso de assistência técnica, oferta de emprego e segurança, distribuição e aumento de renda. A presente tecnologia, considerando o crescente mercado de carnes, a preferência pelo boi verde e a ociosidade das áreas no inverno, apresenta grande potencial de ampliação de adoção e pode contribuir significativamente na conservação de recursos naturais. Os limitantes da adoção da tecnologia estão relacionadas ao caráter de “exclusividade” de atividade, sendo a maioria delas de pecuária ou de lavoura e, em alguns períodos é afetada pelas oscilações de preço de mercado dos grãos e dos produtos de origem animal.

Materiais bibliográficos relacionados

FONTANELI, R. S.; SANTOS, H. P. dos; AMBROSI, I.; IGNACZAK, J. C.; DENARDIN, J. E.; REIS, E. M.; VOSS, M. Sistema de produção de grãos com pastagens anuais de inverno, sob plantio direto. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2000. 84 p. (Embrapa Trigo. Circular Técnica, 6).

MELLO, J. da S. Integração lavoura-pecuária em sistema plantio direto. Passo Fundo: Embrapa-CNPT: Projeto METAS, 1998. 36 p. (Projeto METAS. Boletim Técnico, 3).

SANTOS, H. P. dos; FONTANELI, R. S. Cereais de inverno de duplo propósito para a integração lavoura-pecuária no sul do Brasil. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2006. 104 p.

SANTOS, H. P. dos; FONTANELI, R. S.; BAIER, A. C.; TOMM, G. O. Principais forrageiras para integração lavoura-pecuária, sob plantio direto, nas regiões Planalto e Missões do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2003. 142 p.


 

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