Dezembro, 2007
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Passo Fundo, RS

 

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Cultivar cevada BRS 195

Cláudia De Mori
Euclydes Minella

Identificação da tecnologia

Descrição da tecnologia

Cultivar de cevada resultante do cruzamento DEFRA/BR 2, realizado em 1992, destaca-se pelo elevado rendimento de grãos e pelo atendimento da maioria das especificações da indústria cervejeira, possuindo duas fileiras de grão. Cultivar de ciclo curto (média de 135 dias, na região Sul, e 110 dias, no Cerrado), porte baixo (60-80 cm de altura), elevado potencial de rendimento (acima de 6.000kg/ha) e ampla adaptação às regiões de cultivo (RS, SC, PR, SP, GO, MG e DF). Possui alta capacidade de perfilhamento e resistência ao acamamento, diferenciando-se das demais por espigar entre 7 a 12 dias mais tarde. É moderadamente resistente a mancha reticular (Drechslera teres), principal doença da cultura, e a septoriose. Apresenta suscetibilidade ao oídio, ferrugem da folha e, especialmente, à mancha marrom. Sob semeadura em linhas duplas, espaçadas 0,17-0,20 m entre si e 0,34-0,40 entre duplas, conhecido como plantio “pareado”, apresenta resposta positiva em termos de rendimento, principalmente em tamanho de grão (classe 1). Possui vantagem em termos de desempenho industrial relacionada ao encurtamento do processo de malteação pelo seu maior potencial enzimático. O desenvolvimento da cultivar BRS 195 contou com a parceria da Cooperativa Agrária (Guarapuava/PR) e da indústria cervejeira Ambev.

Ano de lançamento

2002

Ano de início de adoção

2003

Abrangência

RS, SC, PR (em sistema sequeiro), SP, GO, MG e DF (em sistema irrigado)

Beneficiários

Produtores rurais e demais agentes do complexo agroindustrial da cevada.

Identificação dos impactos na cadeia produtiva

A cevada é quinto grão em ordem de importância econômica e social no mundo, após arroz, milho, trigo e soja. É empregada na industrialização de bebidas – cerveja e destilados –, na alimentação humana, sob forma de malte e farinhas ou flocos para composição de produtos de panificação – pães, doces e confeitos –, na formulação de produtos dietéticos e de sucedâneos de café e na produção de medicamentos; bem como na alimentação animal, como forragem verde ou grãos ou fabricação de rações, que se constitui no seu maior emprego mundial da cevada, aproximadamente 68% da produção mundial.

No Brasil, diferentemente dos demais países, devido à existência de alternativas mais vantajosas de alimentação animal, a malteação tem sido a principal aplicação econômica da cevada. Aproximadamente 85% da cevada produzida é utilizada na fabricação de malte, 1,1% é reservada para semente e 12% destinada para alimentação animal. Do total de malte produzido no Brasil, aproximadamente 90% é destinado para fins cervejeiros. O consumo anual de malte pela indústria cervejeira brasileira está estimado em 1,3 milhão de toneladas, sendo 65 a 75% desta demanda suprida através de importações de grãos da Argentina e França ou malte da Argentina, Uruguai e França, nossos principais fornecedores.

A produção brasileira está concentrada nos estados do sul, RS, SC e PR, com registros de cultivo em Goiás a partir de 2001. Segundo dados do IBGE (2007b), na década de 1997-2006, o Rio Grande do Sul foi responsável por 65,2% da área de cultivo, perfazendo 61,5% da produção total do país (informação calculada pelos autores a partir de dados do IBGE, (2007b). Neste mesmo período, o Paraná foi responsável por 32,0% da área colhida e 35,5 % da produção; Santa Catarina, 2,4% da área colhida e 2,3 % da produção; e Goiás, 0,4% da área colhida e 0,7 % da produção. Observa-se que o estado do Paraná vem aumentado sua participação percentual em termos de área e de quantidade produzida. A área média colhida no país no período de 2002-2006 foi de 126,8 mil hectares e a produção média, no mesmo período, foi de 301,1 mil toneladas do cereal. Após nove anos de registro de área colhida superior a 120 mil hectares, em 2006, a área colhida foi de 81,1 mil hectares e a produção, de 192,0 mil toneladas (IBGE, 2007a), redução de 43,8% e de 41,1% em relação ao ano de 2005, respectivamente.

A cultivar de cevada BRS 195 representa uma revolução em termos de tipo agronômico na lavoura de cevada no país, potencializando rendimentos superiores a 7.000 kg/ha. Em razão do porte baixo (anão), possui maior resistência ao acamamento, respondendo a doses maiores de nitrogênio aplicadas no plantio e em cobertura até o final do perfilhamento. Em termos de qualidade de produto, apresenta vantagem no desempenho industrial relacionada ao encurtamento do processo de malteação pelo seu maior potencial enzimático. A cultivar BRS 195 vem sendo a cultivar mais semeada no RS, SC e PR desde 2003 e GO, desde 2005, o que ratifica suas vantagens agronômicas e de desempenho industrial.

    Avaliação dos impactos econômicos

Tipo de impacto: Incremento de produtividade

Análise dos impactos econômicos

Para estimativa dos impactos econômicos, considerou-se o rendimento médio do período de 1996 a 2002, período anterior a adoção da cultivar como marco referência para comparação e o rendimento médio de lavouras observadas com plantio da cultivar em análise segundo dados de empresas de fomento e média do rendimento dos estados para cada ano. Para exemplificação, em 2006, com um adicional de rendimento de grãos de 87 kg/ha e preço médio do cereal de R$ 23,84 por saca de 60 kg, observou-se ganho adicional de R$ 34,54 /ha. Considerando a área ocupada de 36.500 ha, a cultivar BRS 195 permitiu a geração de um adicional econômico total de R$ 1,26 milhão no referido ano. Deste valor, R$ 882,5 mil podem ser atribuídos como contribuição da Embrapa, considerando um percentual de 70% de participação na geração da tecnologia. Desde o início da adoção da tecnologia em 2003, a cultivar gerou um adicional econômico de R$26,4 milhões, podendo R$18,3 milhões serem creditados como contribuição da Embrapa (tabelas 5 e 6).

Avaliação dos impactos sociais

Para todos os entrevistados, a cultivar BRS 195 tem forte efeito de alteração (grande a moderado aumento) nos componentes renda e segurança alimentar (Fig. 4). Os coeficientes de impacto social resultantes foram de 0,53; 0,72 e 0,97.

Relacionado ao aspecto emprego, de maneira geral, o lançamento de uma nova cultivar pressupõe a capacitação técnica de curta duração para mão de obra braçal qualificada, como a participação em dias de campo. Para um dos entrevistados, o produtor necessita adequar seus procedimentos de acordo com as características da nova cultivar como é o caso da cevada BRS 195. Pelo porte anão apresentado pela cultivar, para alguns produtores, implica numa possibilidade de aplicação de novas tecnologias, como o caso de semeadura em linha dupla ou aumento do uso de adubação, o que é apropriada por meio da participação em capacitação (coeficiente de impacto de 3,5 no componente capacitação do entrevistado 1) . A aplicação desse manejo diferenciado acaba por gerar maior demanda de mão-de-obra, suprida, em geral, pela família (coeficiente de impacto de oportunidade de emprego local qualificado de 0,3, segundo o entrevistado 2).

Estima-se que o cultivo da cevada no Brasil envolva 3.000 propriedades agrícolas. Considerando a relação estabelecida por Contini (1990), de 46,6 empregos diretos e indiretos gerados a cada US$ 123.062,00 gerados em lavouras de soja e trigo, pode-se estimar, por similaridade, que a cultura de cevada BRS 195 seria responsável pela geração de aproximadamente 157 novos postos diretos e indiretos de emprego, em decorrência do adicional econômico gerado no ano de 2006.

Em termos de renda, a cultivar de cevada BRS 195 em função de seu elevado potencial produtivo e da melhor qualidade industrial tem implicações na: (a) renda, em decorrência do aumento da quantidade produzida há aumento no montante da renda obtida na propriedade rural, assim como na manutenção da estabilidade de renda com o cultivo de inverno; (b) na diversidade de fonte de renda no estabelecimento rural considerando a cevada como alternativa de cultivo de maior segurança durante o inverno; e (c) na melhoria do preço de produto decorrente da melhoria do padrão da cevada obtida (maior percentual de tipo 1) por parte do produtor. Neste sentido, contribui positivamente para a renda da propriedade rural, com maior ênfase na renda gerada (coeficiente de impacto no componente de geração de renda de 3,75; 1,25 e 6,25).

Analisando aspectos relacionados à saúde, a oferta de maior quantidade de produto com melhor qualidade industrial são aspectos de maior influencia da tecnologia, o que contribui com a segurança alimentar (coeficiente de impacto de segurança alimentar de 0,6; 0,3 e 1,8). A maior exposição do trabalhador aos agentes químicos, decorrente do aumento do número de aplicações necessárias de agroquímicos e conseqüente aumento de periculosidade ao usuário, foi citada como impacto negativo da tecnologia por um dos entrevistados (coeficiente de impacto no componente segurança e saúde ocupacional de -0,4). Os outros dois entrevistados consideraram a existência de um impacto positivo de redução de exposição a agentes químicos e de nenhum impacto no componente, respectivamente (coeficientes de impacto no componente segurança e saúde ocupacional de 0,2 e 0,0).

A criação de cultivares de cevada que melhor atendam as especificações da indústria é fruto de uma maior interação entre os elos da cadeia. A rápida expansão da área cultivada com a BRS 195 é decorrente de ações de fomento que a indústria tem realizado junto ao setor agrícola devido à excelente qualidade agronômica e industrial da cultivar, o que contribui com o encadeamento de produtos, atividades e serviços anteriores. A cultura é altamente tecnificada, o que, para os entrevistados, pode conduzir a impactos na gestão como necessidade de capacitação, uso de assistência técnica e dedicação do proprietário ao cultivo.

Avaliação dos impactos ambientais

A cultivar BRS 195 é a cultivar mais semeada no Brasil, nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, a referida cultivar representou 28%, 56%, 63% e 45% das lavouras cultivadas de cevada, respectivamente (Fig. 5).

Por apresentar porte anão, a nova cultivar permite uso de doses maiores de nitrogênio, aplicadas no plantio e em cobertura até o final do perfilhamento, sem problemas de acamamento, que resultam em aumento do rendimento de grãos. Nesse sentido, em termos de eficiência tecnológica, a cultivar tem um impacto ambiental negativo ao aumentar o uso de agroquímicos para dois dos entrevistados (coeficiente de impacto no uso de agroquímicos 0,75; -2,75 e -0,5). Para um dos entrevistados, o aumento do número de aplicações de pesticidas, corrobora para o aumento de uso de agroquímicos em geral, e para o maior consumo de diesel (coeficiente de impacto no componente de uso de energia de 3,5; - 3,5 e 0). Para um dos entrevistados há um maior aproveitamento dos recursos naturais, na medida que se necessita de menor área para produção de uma mesma quantidade (Fig. 6).

Não se atribuem alterações/contribuições diretas da tecnologia nos aspectos de conservação e recuperação ambiental na percepção dos informantes, no entanto, observa-se a tecnologia como opção econômica no inverno, mantém as áreas cobertas reduzindo perdas de solo e contribuindo na incorporação de matéria orgânica e manutenção da capacidade produtiva do solo.

Na avaliação de um dos entrevistados, resulta em impacto positivo (índice de impacto ambiental de + 1,49) e para dois, a tecnologia resulta em impacto negativo (índice de impacto ambiental de -0,09 e -1,09).

Em termos de qualidade de produto, a cultivar BRS 195 possui maior rendimento industrial, uma vez que possui maior atividade enzimática (amilases), o que reduz o tempo de malteação e a necessidade de adjuvantes no processo industrial.

    Análise dos impactos sobre o conhecimento, capacitação e político-institucional

A Tabela 7 sumariza os coeficientes de alteração de indicadores relacionados a conhecimento, capacitação e político-institucionais. A seguir tecem-se alguns comentários pertinentes vinculados a estes aspectos.

Impactos sobre o Conhecimento

O desenvolvimento de uma cultivar implica em realização de trabalhos de manejo para seu cultivo e melhor adequação regional. No caso específico da BRS 195, a arquitetura diferenciada de porte anão, implicou em uma série de trabalhos em termos de adubação nitrogenada, irrigação, densidade de semeadura entre outros aspectos de manejo, promovendo uma integração entre áreas de conhecimento. Como exemplo, em 2004, a publicação pelo Departamento de Plantas de Lavoura da UFRGS, Fundação Agrária de Pesquisa Agropecuária FAPA e Companhia Brasileira de Bebidas AmBev, de um boletim com resultados experimentais de trabalhos conduzidos com a cultivar BRS-195 executados nos anos de 2000 a 2003.

A cultivar está protegida sob certificado de proteção número 0494, concedido em 02/06/2003.

Há registro de mais de 15 trabalhos científicos em que a BRS 195 está envolvida ou serve como base experimental como os trabalhos “Cevada - BRS 195. Densidade de semeadura, adubação nitrogenada, época de semeadura e reação à doenças” e “Parâmetros de Manejo de Irrigação e Adubação Nitrogenada para o cultivo de Cevada Cervejeira no Cerrado”. Algumas dissertações também foram desenvolvidas utilizando a BRS 195 como base experimental, como a dissertação “Desenvolvimento de Cevada em resposta ao uso de elicitores para o controle de Bipolaris sorokiniana.”.

Impactos sobre a Capacitação e Aprendizagem

O processo de desenvolvimento da cultivar BRS 195 contou com o envolvimento de atores do sistema agroindustrial (SAG) da cevada, como a Cooperativa Agrária (Guarapuava/PR) e a indústria cervejeira Ambev, implicando em habilidade de estabelecer parcerias. Diversas atividades de divulgação do novo material, demandando treinamento e repasse de informações, foram realizadas. Até 2006 foram realizados mais de 100 dias de campo onde a cultivar de cevada BRS 195 foi apresentada.

Impactos Político-institucionais

Como relatado anteriormente, o processo de desenvolvimento da Cultivar BRS 195, contou com a parceria de agentes do SGA da cevada, através de convênio de cooperação técnica firmado entre estes atores, com aporte de recursos financeiros. A cultivar BRS 195 é a primeira cultivar de cevada cervejeira de porte anão recomendada para o Brasil. Sua ampla adaptação e sua alta produtividade tornaram-na referência no Brasil, havendo rápida expansão de área de cultivo, chegando a alcançar 63% do total de área semeada três anos após seu lançamento. Isto ratifica a posição da Embrapa como importante ator na criação de materiais genéticos de elite e corrobora imensamente para manutenção e implementação de novas parcerias e captação de recursos.

    Análise agregada

A cultivar de cevada BRS 195 representa uma revolução em termos de tipo agronômico na cultura de cevada no Brasil, pelo seu porte baixo e seu elevado potencial de rendimento, podendo ser caracterizada como uma tecnologia de impactos econômicos e sociais mais pronunciados. A cultivar responde a doses maiores de nitrogênio e adapta-se bem ao cultivo “pareado”. Em termos de qualidade de produto, a BRS 195 apresenta vantagens em termos de desempenho industrial (encurtamento do processo de malteação pelo maior potencial enzimático).

Do ponto de vista social, a tecnologia apresenta contribuições com relação a geração de renda (estabilidade, montante e diversificação de renda e valoração do produto); garantia em termos quanti-qualitativo da oferta de cevada para o país e estreitamento das relações entre os agentes da cadeia.

Do ponto de vista ambiental, a cultivar BRS 195 apresenta impactos negativos pelo maior uso de agroquímicos, o que pode ter efeito na saúde e no ambiente pela maior exposição do usuário a agentes químicos.

Materiais bibliográficos relacionados

MINELLA, E.; SÓ E SILVA, M.; ÁRIAS, G.; LINHARES, A. G. BRS 195 malting barley cultivar. Crop Breeding and Applied Biotechnology, v. 2, p. 321-322, 2002.

MINELLA, E.; SÓ E SILVA, M.; ÁRIAS, G.; LINHARES, A. G. Cultivar BRS 195 de cevada. In: REUNIÃO ANUAL DE PESQUISA DE CEVADA, 21., 2001, Guarapuava. Anais e ata... Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2001. v. 1, p. 421-424.

REUNIÃO ANUAL DE PESQUISA DE CEVADA, 25., 2005, Passo Fundo. Indicações técnicas para a produção de cevada cervejeira nas safras 2005 e 2006. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2005. 102 p. (Embrapa Trigo. Sistemas de Produção, 2).

 


 

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