Ministério da Agricultura e do Abastecimento

Embrapa Trigo ISSN 1517-4964
Comunicado Técnico Online
Nº 54, dez./00

Desenvolvimento da cultura de ervilha para alimentação animal no Sul do Brasil

Gilberto Omar Tomm 1
Gustavo J. M. M. de Lima2

Alternativas para incrementar a renda

A agricultura familiar no Sul do Brasil, de maneira geral, está em dificuldades em virtude da baixa renda e da pequena lucratividade de suas atividades. Isso tem acarretado reflexos sociais e econômicos em toda a sociedade, como, por exemplo, aumento de desemprego, êxodo rural e marginalidade no meio urbano e rural. Portanto, é fundamental o esforço na busca de alternativas diversificadas de produção agrícola e pecuária que promovam desenvolvimento sustentável, geração de riquezas e produção de alimentos de qualidade, aumentando a viabilidade dos sistemas produtivos, principalmente no inverno, quando muitas áreas encontram-se improdutivas e o uso do solo é inadequado. Além disso, o cultivo de ervilha, [Foto 1] através da fixação simbiótica, permite reduzir o uso de fertilizantes nitrogenados para as culturas subseqüentes e os custos econômicos e ambientais associados a seu uso.
Cresce o reconhecimento, entre técnicos e produtores, de que a renda da agricultura familiar precisa e pode ser incrementada pela agregação de valores aos produtos agropecuários, através da conversão de grãos e de forragem, em leite, em carne e em produtos prontos para consumo humano. A ervilha apresenta grande potencial para essas finalidades e constitui excelente alternativa de produção de alimento protéico de inverno, além de permitir reciclagem e a agregação de nutrientes ao solo.

Uma nova forma de utilização de ervilha no Brasil: alimentação animal

O desenvolvimento e cultivo comercial de ervilha no Brasil iniciaram - e constituíram a primeira fase com a produção para colheita e processamento de grãos verdes - no sul do estado do Rio Grande do Sul (Pelotas, Rio Grande e Rosário do Sul), de 1943 (Rodrigues, 1989) a 1986 (comunicação pessoal de Potiguara Itá Martins, 1999). A segunda fase compreende a produção de grãos secos para reidratação e de grãos verdes para congelamento e enlatamento principalmente no Triângulo Mineiro e Alto Parnaíba, no estado de Minas Gerais, de 1985 (Rodrigues, 1989) até os dias atuais. Atualmente, no Rio Grande do Sul a produção de grãos verdes para a industrialização de supercongelados está reiniciando, estimulada pela instalação de uma indústria em Serafina Correa, RS, [Foto 2] e pelo interesse de várias miniindústrias de processamento mínimo bem como a produção para venda in natura. Entretanto, essa terceira fase, iniciada em 1999 no norte do Rio Grande do Sul, poderá vir a se constituir especialmente pelo desenvolvimento da produção de ervilha seca destinada à alimentação animal nos estados do RS e de SC.
Entre os diversos tipos de ervilha (Pisum sativum L), existem cultivares como a cultivar Dileta da Embrapa [Foto 3], desenvolvidas para a colheita de grãos secos que permitem, além do uso na alimentação humana a utilização como fonte de proteína (aminoácidos) e de energia em rações para suínos e aves (Tabela 1). No Canadá, nos EUA e na Europa, têm sido desenvolvidas cultivares especificamente para alimentação animal. O objetivo atual é desenvolver o cultivo de ervilha no Sul do Brasil, visando ao consumo animal e produzida com equipamentos já disponíveis e usados regularmente na produção de grãos. Assim, a seleção de cultivares e a tecnologia de produção devem ser ajustadas para a produção de grãos secos, em vez de serem direcionadas à colheita de grãos verdes, a qual ocorre antes dos 100 dias após a emergência de plantas.

Faltam alimentos para expandir a produção de suínos e aves no Sul do Brasil

Na região sul do Brasil, a competitividade da suínocultura e da avicultura está sendo limitada pela produção insuficiente de milho e de outros grãos. Grande parte do esforço agrícola brasileiro destina-se à alimentação de aves e suínos, os quais devem ser alimentados com ingredientes que apresentem qualidade, com vistas a atender aos mercados interno e externo. Apesar da grande produção e das sucessivas safras recordes, há carência de grãos todos os anos, o que obriga a importação, representando perda de divisas e aumento do custo de produção. Além disso, com a globalização dos mercados, a importação de grãos passou a ser uma ameaça à agricultura nacional, situação em que as facilidades podem tornar a compra de grãos de qualidade elevada e financiamentos especiais atrativa para os grandes grupos econômicos, depreciando o produto nacional. Portanto, o aumento da produção de alimentos para suínos e aves deverá contribuir para a manutenção do crescimento da oferta de alimentos protéicos de origem animal para consumo humano, de custo acessível às populações urbanas e rurais, bem como para a exportação, para a geração de empregos e para o aumento da atividade econômica.

Ervilha como substituto de milho e de farelo de soja

Atualmente o farelo de soja constitui a principal fonte de proteína (aminoácidos) das rações para suínos e aves no Brasil. No Canadá e na Europa está crescendo o uso de ervilha como fonte protéica. Os grãos de soja apresentam elevados teores de fatores antinutricionais que necessitam tratamento térmico para sua inativação, nas indústrias que extraem óleo ou nas fábricas de rações. Como os teores de fatores antinutricionais em ervilha são geralmente baixos (aproximadamente 1/10 dos teores apresentados por soja), os grãos podem ser utilizados na formulação de rações nas propriedades, sem tratamento térmico, o que se constitui em vantagem diferenciada sobre soja. Assim, o uso de ervilha seca, como fonte de energia e de proteínas, permite evitar os custos com transporte, a intermediação comercial, a industrialização e outros custos envolvidos na venda de soja e na posterior aquisição de farelo de soja para a formulação de rações.
O cultivo de ervilha seca, cuja colheita é realizada de outubro a dezembro, pode contribuir para suprir a insuficiente oferta de milho exatamente no período de menores estoques, pico da entressafra de milho e época em que os preços são mais elevados. Como nos estados do RS e de SC e no sul do PR a produção de milho safrinha é muito limitada, este tem sido estocado por períodos de até 11 meses após a safra, implicando custos financeiros de capital, estocagem e conservação para a manutenção de estoques nesse período (Luís G. Paraboni, Departamento Técnico da COTREL, comunicação pessoal). No Sul do Brasil, o uso de grãos secos de ervilha poderá seguir o exemplo da França: 68 % da produção é destinada para suínos, 19 % para frangos, 8 % para bovinos (Grosjean, 1985).

Composição nutricional

Para garantir máximo crescimento e produção de suínos e aves, é imprescindível que as exigências dos animais em nutrientes sejam atendidas. A formulação de dietas cuja base de composição são os nutrientes, principalmente considerando a digestibilidade destes, permite otimizar o uso dos alimentos disponíveis. A ervilha é uma fonte de proteína de alta qualidade para suínos e aves. Apresenta alto teor de aminoácidos, especialmente lisina, que é um aminoácido essencial para o crescimento de animais.
Na Tabela 2 é apresentada a composição nutricional média da ervilha, comparativamente a trigo e a farelo de soja, enquanto na Tabela 3, apresenta-se a composição química de cultivares brasileiras de ervilha, oriundas da Embrapa (Maria, Marina, Dileta [Foto 3], Forrageira e Pagode) e do IAPAR (IAPAR 74 e IAPAR 83), além de uma cultivar da holandesa, Alfetta, todas produzidas no norte do estado do Rio Grande do Sul.
Visando a permitir comparações, incluiram-se também nessas avaliações um lote de ervilha da cultivar Alfetta, produzida na Argentina, e sementes de uma cultivar de ervilha do tipo destinado à colheita de grãos verdes (Pagode).
O teor de proteína de ervilha varia entre 18 e 28%, e as cultivares usadas para alimentação animal possuem em média 22,6 % de proteína bruta (Racz, 1997). O teor de lisina é variável e tem uma relação linear com o teor de proteínas (Bell & Keith, 1990, citado por Racz & Bell, 1997). O conteúdo em energia digestível da ervilha, para suínos, é similar ao de trigo e ao de milho (Racz, 1997).
A ervilha, assim como a maioria dos grãos de leguminosas, contém fatores inibidores de tripsina, além de lectinas. Esses fatores são de origem protéica e podem ser desnaturados mediante exposição ao calor. A atividade antitríptica das leguminosas é dependente principalmente da cultivar, e pode ser classificada segundo seu conteúdo, conforme apresentado na Tabela 4. Quase todas as variedades de ervilha cultivadas na Europa são classificadas como de baixa ou muito baixa atividade antitríptica.

O início das pesquisas com ervilha para alimentação animal

As pesquisas para viabilizar o cultivo de ervilha e de outras leguminosas de grãos de inverno na Embrapa Trigo iniciaram em 1994, pela avaliação de linhagens e cultivares geradas no programa de melhoramento genético da Embrapa Hortaliças, além de cultivares de outras instituições. Desde a década de 1980 vêm sendo buscadas alternativas que, em relação às culturas e aos usos atuais, tenham potencial para gerar maior renda, visando a aumentar a lucratividade e a viabilidade dos sistemas produtivos. A ervilha, tanto para cobertura de solo como para produção de grãos secos e para a colheita de grãos verdes, apresenta vantagens que levaram à concentração de esforços de pesquisa na espécie.
As sementes de ervilha da maioria das cultivares disponíveis são grandes, com peso superior a 220 g/1000 sementes, proporcionando uma relação de aumento de semente de 10:1, enquanto que em trigo esta é de 30:1 e em canola de 300:1 (Slinkard, 1997). Segundo esse mesmo autor, o custo de sementes constitui uma despesa elevada e um freio à adoção da cultura por novos produtores de ervilha.
A Embrapa Trigo já identificou cultivares de ervilha que demonstraram, durante cinco anos, adaptação para cultivo na região, como as cultivares Dileta, Marina e Maria, e possuem sementes menores, com peso inferior a 140 g/1000 sementes (Tomm et al., 1999; http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/p_co09.htm). Em 1999 foi iniciado o processo de validação e ajustes de tecnologias de manejo de ervilha, em parceria com a Cooperativa Tritícola Erechim Ltda.-COTREL, com a EMATER-RS e com produtores interessados, e foram semeados aproximadamente 100 hectares de ervilha para produção de grãos verdes e principalmente grãos secos, em mais de 20 municípios do RS. Os maiores valores de rendimento de grãos secos em lavouras demonstrativas atingiram 4.000 kg /ha.

Os atuais trabalhos de pesquisa e desenvolvimento com ervilha

Buscando desenvolver o cultivo comercial de ervilha, foi iniciado em 2000 o projeto "Viabilização de culturas alternativas para uso na agricultura familiar". Esse projeto, coordenado pela Embrapa Trigo, sob a liderança do pesquisador Gilberto Omar Tomm [Foto 4] está desenvolvendo diversas atividades que têm o objetivo de disponibilizar cultivares e tecnologias de produção e de uso de ervilha na alimentação animal, visando a contribuir diretamente, pela geração de renda, e indiretamente, pela redução de custos, para a sustentabilidade da agricultura familiar na região sul do Brasil.
O primeiro grupo de atividades envolve a continuidade da introdução e avaliação de germoplasma para a diversificação de sistemas em propriedades familiares. Está sendo enfatizada a introdução de novos germoplasmas de ervilha de grãos lisos, para colheita seca, visando a identificar cultivares que possuam sementes pequenas, para reduzir o custo de estabelecimento das lavouras. As avaliações em campo também buscam identificar as cultivares mais tolerantes a doenças, em especial a Ascochitose, e mais adaptadas às condições edafoclimáticas da região sul do Brasil. As avaliações agronômicas serão suplementadas por avaliações da composição nutricional dos grãos de ervilha, para que sejam recomendados para cultivo aqueles mais adequados para alimentação de suínos e aves.
O segundo grupo de atividades consiste na geração e validação de tecnologias essenciais de manejo para viabilizar a produção de sementes e o cultivo comercial de ervilha seca na região, para uso em alimentação animal. Estão sendo realizados estudos com o objetivo de identificar as melhores épocas de semeadura, com base em experimentos conduzidos na metade norte (Passo Fundo) e na metade sul (Rosário do Sul) do estado do Rio Grande do Sul. Também estão sendo realizados estudos visando a identificar os melhores fungicidas para o controle das doenças de ervilha e as melhores densidades de semeadura de ervilha e de culturas consorciadas que lhe sirvam de tutor.
O terceiro conjunto de atividades, que está sendo desenvolvido na Embrapa Suínos e Aves, consiste em determinar o valor nutricional de cultivares de ervilha para suínos e aves.

Conclusões

A área cultivada com ervilha cresceu de 100 hectares em 1999 para aproximadamente 2.000 hectares em 2000, e a intenção dos produtores é utilizar grande parte da produção para semeadura no próximo ano. Portanto, no fim do projeto, paralelamente ao incremento de área esperado, deverão ter sido disponibilizados: a) cultivares de ervilha especificamente indicadas para alimentação animal como alternativas e com potencial para aumento de renda na agricultura familiar; b) ajustes no manejo para o cultivo comercial e para a produção de sementes de ervilha seca; e c) informações que aperfeiçoem tecnicamente a utilização de ervilha seca crua na formulação de ração para animais.
Ao se disponibilizarem alternativas de cultivo e outros usos de culturas que gerem novas fontes de renda ou aumentem a estabilidade de renda através da diversificação de espécies, deverão ser mantidos ou criados empregos e condições de vida mais digna à população rural, além de se elevar a qualidade e a segurança alimentar da população em geral.

Palavras-chave: Pisum sativum, leguminosas, nutrição de suínos e aves.


1Eng.-Agr., Ph.D., Pesquisador da Embrapa Trigo. Caixa Postal 451. CEP 99001-970 Passo Fundo, RS. tomm@cnpt.embrapa.br
2Eng.-Agr., Ph.D., Pesquisador da Embrapa Suínos e Aves. BR 153, km 110, Vila Tamaduá. CEP 89700-000 Concórdia, SC. gustavo@cnpsa.embrapa.br  
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